Estudantes utilizam a infraestrutura de sua universidade para fundar e administrar empresas próprias, com o objetivo de ganhar experiência e estabelecer contatos no mercado de trabalho.
No Brasil, 1120 empresas não pagam salário a seus funcionários. Acalmem-se, defensores dos direitos humanos, não estamos falando de trabalho escravo. Trata-se de uma modalidade de negócio que funciona com a mão de obra voluntária de estudantes universitários. O número de empresas juniores, como são chamados esses empreendimentos, teve um crescimento de 87% nos últimos cinco anos - cinco vezes o de instituições de ensino superior. Uma empresa júnior, sempre sediada em uma universidade, é formada e administrada por alunos interessados em pôr em prática o que aprendem nas salas de aula. Quando necessário, um professor é chamado para orientar e tirar dúvidas, mas, das funções mais simples de escritório até a direção executiva, todos os cargos são ocupados por estudantes. A companhia tem estatuto e regimentos próprios, e o preço cobrado por seus produtos e serviços é bastante inferior ao do mercado. Seus clientes são, quase sempre, pequenas e microempresas para as quais contratar uma consultoria especializada sai muito caro. Na área de publicidade, por exemplo, os alunos criam peças de propaganda para lojistas ou pequenas agências. Um pequeno empresário também pode contratar a consultoria de estudantes de administração para organizar o seu quadro de funcionários ou o seu orçamento. Existem empresas juniores de engenharia, letras, design, moda e direito, entre outras. Os universitários não são remunerados, e todo o rendimento é investido na ampliação ou melhoria da própria empresa. O objetivo é dar experiência profissional aos voluntários e deixá-Ios em evidência no mercado de trabalho. Ou seja, eles fazem estágio sem sair da universidade e sem precisar levar cafezinho para o chefe.
O conceito foi criado na França, em 1967, por um grupo de universitários e ganhou o nome de Movimento Empresa Júnior (MEJ). Em 1988, as idéias centrais do MEJ foram trazidas para o Brasil Q I'" pela Câmara de Comércio França-Brasil. No ano seguinte, formaram-se as empresas juniores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), da Fundação Getulio Vargas e da Universidade Federal da Bahia. Frequentemente, as juniores são confundidas com as incubadoras. Há algumas diferenças fundamentais. As incubadoras são organizações que cedem, por um período limitado de tempo, espaço físico, infraestrutura e assistência para empresas iniciantes com uma idéia inovadora. São financiadas por prefeituras, governos de estado, fundações, instituições de ensino e, principalmente, pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). A missão das incubadoras é fortalecer e preparar empresas jovens, pertencentes a universitários ou não, para que elas depois façam voo-solo, sobrevivendo no mercado por conta própria. No caso das juniores, a universidade apenas cede uma sala e parte da infraestrutura, como computadores e telefone, mas não financia a iniciativa dos alunos.
Trata-se de um empreendimento cujo intuito não é fortalecer-se para sair do ninho universitário, como acontece com as empresas incubadas, mas preparar os alunos de graduação para ter sucesso na carreira. São tantos os participantes dessas empreitadas - quase 28000 jovens em todos os estados brasileiros - que até grandes corporações e multinacionais começaram a contratar seus serviços, com a intenção principal de descobrir novos talentos. Entre as marcas que já contrataram os serviços de empresas juniores no Brasil estão Johnson & Johnson, Motorola, Nestlé, Ericsson, Elma Chips, Danone, Votorantim e Petrobras.
O escritório brasileiro da Bain & Company, uma consultoria de gestão com sede em 'Boston, nos Estados Unidos, tem parceria com diversos empreendimentos estudantis brasileiros. Como resultado, um quinto de seus funcionários é composto de ex-juniores, como são chamados os profissionais oriundos das iniciativas universitárias. "É uma boa troca: a gente ajuda as empresas juniores a oferecer um serviço mais qualificado e elas nos ajudam no recrutamento de talentos", diz Joice Toyota, de 26 anos, consultora associada da multinacional e ex-presidente da Federação das Empresas Juniores de São Paulo (Fejesp). Segundo Joice, os estudantes envolvidos costumam ter um perfil muito valorizado no mercado de trabalho: além de experiência em suas áreas de atuação, eles já adquiriram conhecimentos básicos em administração e gestão de recursos, pois comandam sozinhos o empreendimento.
O contato com o mundo dos negócios leva muitos a descobrir sua verve empreendedora. Assim aconteceu com Marcelo Park, ex-integrante da Poli Júnior. Após se formar em engenharia civil e trabalhar por alguns anos na distribuidora de produtos eletrônicos do pai, ele se associou a três ex-colegas para criar uma agência de tecnologia e engenharia de software. "Foi na empresa júnior que descobri o que eu realmente queria fazer", diz Marcelo, que, aos 26 anos, gerencia com seus sócios um orçamento anual de I milhão de reais. Se a ponte com o mercado fora da academia traz inúmeras vantagens, a proximidade com a produção de conhecimento também é benéfica. Por estarem em contato com as novidades surgidas nas universidades, os juniores costumam desenvolver projetos pioneiros. Lorena de Lima Soares, de 23 anos, recém-formada em ciências políticas pela Universidade de Brasília, é um exemplo disso. Em 2008, enquanto trabalhava na Strategos, a empresa júnior de seu curso, Lorena criou um produto chamado Agenda Legislativa. O projeto consistia em fazer um levantamento de todas as leis e discussões sobre determinado tema em tramitação no Congresso e no Senado. Em 2009, após sair da Strategos, ela foi contratada por duas associações nacionais, a dos Municípios Produtores (Anamup) e a dos Municípios Sedes de Usinas Hidrelétricas (Amusuh), para realizar o mesmo serviço. A contratação ocorreu um ano antes de Lorena se formar.
Os empreendimentos estudantis enfrentam pelo menos um obstáculo à sua expansão. Do ponto de vistajurídico, são associações civis sem fins lucrativos, mas exercem funções semelhantes às de entidades que buscam o lucro. "Falta uma lei para enquadrar totalmente esse tipo de atividade e desfazer as contradições", diz Tiago Mitraud, de 24 anos, presidente da Confederação Brasileira de Empresas Juniores, a Brasil JÚnior. Enquanto o empreendedorismo dos estudantes não é regulamentado, eles preenchem as lacunas do mercado como podem. Os membros da Inventório, instalada no Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), por exemplo, descobriram uma grande carência por serviços pequenos e de baixo custo em design imlustrial, gráfico e de moda. "Nossa finalidade é mostrar aos clientes potenciais como o designer pode ajudá-Ios a prosperar. Dessa maneira, quando estivermos formados, teremos um mercado mais receptivo ao nosso ofício", afirma Vanessa Spanholi, de 19 anos, presidente da Inventório. Entre outros serviços, Vanessa e seus 24 colegas criam logotipos e embalagens para lojistas e desenham coleções de roupa para pequenas tecelagens. Eles estão tornando mais especializado um trabalho que os próprios microempresários desempenhavam, de forma improvisada. Assim todos saem ganhando, como deve ser quando se fecha um bom negócio.
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